03 a 07 de setembro de 2015

Av. Getúlio Vargas - Patos de Minas - MG

História e Tradições



O que fez de Juscelino o JK?

No dia 8 de maio de 1961, o escritor Alceu de Amoroso Lima escreveu mais uma carta à sua filha. Comentava a popularidade de Juscelino Kubitschek, que deixara a Presidência da República humilhado pela vitória de um candidato que tinha a vassoura como símbolo e programa:
"O brasileiro gosta é da "dolce vita", e o JK faz sucesso na distribuição de... narcóticos políticos, que adormecem o povo na doce ilusão da "prosperidade". Ao passo que Jânio Quadros é um moralista. (...) O brasileiro é desperdiçado por natureza, de modo que o governante ideal para ele é um JK, que joga dinheiro pela janela, porque o imprime ilimitadamente na cozinha..."
Mal sabia doutor Alceu o tamanho da fraude que o andar de cima empacotara num demagogo desequilibrado. Desde a noite de ontem, as bruxarias de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira saciam a curiosidade nacional, oferecendo ficção de primeira qualidade numa época em que a realidade é de quinta. O que fez Juscelino se transformar no JK da saudade dos brasileiros?
O progresso? O Brasil de JK cresceu 8,5% ao ano, o do general Emílio Medici cresceu 11%. O sorriso? Fernando Collor também ria. A proscrição e o exílio? Carlos Lacerda, seu pior inimigo, também foi proscrito, até preso. A elegância cosmopolita, como o chapéu gelot que usou ao receber o presidente americano Dwight Eisenhower? Não sabia falar inglês.
JK jogou menos dinheiro pela janela construindo Brasília do que seus sucessores contratando a dívida externa, o acordo nuclear com a Alemanha e o populismo cambial do final dos anos 90. Talvez JK tivesse feito todas essas coisas. Afinal, apoiou o acordo nuclear e tinha apetite por dívidas e dólar barato.
O que fez de Juscelino Kubitschek o JK de 2006 foi a sua capacidade de ser um pouco de cada brasileiro. Ficou parecido com o sonho dos "desperdiçados". Não falava bem do seu governo, muito menos de si.
Passou pela vida pública como se não tivesse inimigos. Odiavam-no, mas não odiava. Batia sem deixar marcas e não levava suas raivas para a agenda do país. Era como se não tivesse contas a acertar. Dirigia sem retrovisor. O JK de 2006 tem o tamanho de seus sentimentos. Vivia de grandiosidades e teve grandes amigos, grandes amores e grandes projetos.
Esse JK não é o de 1960. É criação recente, nostálgica e invencível. Nasceu no coração dos brasileiros entre a tarde de 22 de agosto de 1976, quando o passageiro do banco de trás de um Opala destroçado no quilômetro 165 da via Dutra foi identificado como Juscelino Kubitschek de Oliveira, e as últimas horas do dia seguinte, quando foi sepultado em Brasília, sob as luzes dos holofotes do Corpo de Bombeiros, ao som da multidão. Estima-se que 350 mil pessoas foram às ruas acompanhando seu caixão. Era a maior manifestação pública desde a edição do AI-5, em dezembro de 1968, e só seria superada em 1984, com os comícios das Diretas-Já. Não se gritava "Abaixo a ditadura". Cantava-se:
"Como pode
O peixe vivo
Viver fora
Da água fria?
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia?"
Desde então, todos os presidentes brasileiros querem ser JK quando crescerem. Um dia algum talvez consiga, desde que aprenda uma coisa simples: Juscelino Kubitschek jamais disse uma má palavra dos brasileiros ou do Brasil. Foi um visionário que acreditou nos dois.
Desdenhava infalibilidades e costumava repetir: "Não tenho compromisso com o erro".

ELIO GASPARI - Folha de São Paulo
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